Breve análise do § 2º. do art. 792 do Novo CPC
- Pablo Lemos Carlos Sant'Anna
- 20 de abr. de 2017
- 3 min de leitura
O Código de Processo Civil de 2015 deu nova estrutura ao instituto da fraude à execução e, dentre outras inovações, estabelece no § 2º do artigo 792 que, no caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o comprador deve provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
É possível, assim, se afirmar que na compra e venda da maioria dos bens móveis, para os quais não existam cadastros, será necessária a obtenção de certidões para que haja segurança jurídica na efetivação do negócio? Faria sentido impor ao adquirente de bem móvel um ônus igual àquele que recai sobre o adquirente de bem imóvel? Tal sistema não engessaria as relações comerciais e semearia a desconfiança no mercado?
As respostas às questões colocadas dependem do sentido a ser dado ao termo “bem não sujeito a registro”.
Sob uma ótica abstrata, o termo significa bens que nunca poderão ser objeto de registro por não existir cadastro para aquela espécie de bem. Os bens móveis, em regra, não estão sujeitos a registro de propriedade, de forma que a sua transmissão se opera através da entrega física da coisa. No entanto, há exceções, como as embarcações e aeronaves, em que, para a transmissão da propriedade da coisa, é necessário o registro em órgão específico; e também os veículos automotores e semelhantes (reboque ou carretas), que, embora a consumação do negócio jurídico ocorra com a entrega da coisa, devem possuir um órgão responsável pelo registro de propriedade. Mas e quanto aos demais bens móveis- joias, obras de arte, livros, computadores, por exemplo- a segurança na compra e na venda desses bens dependeria das certidões referidas acima.
Considerado sob uma ótica concreta, “bem não sujeito a registro” significa aquele bem imóvel que poderia ser registrado, mas que no caso concreto não pode pelas mais diversas razões, dentre as quais destacamos:
1. No caso de inexistência de registro de propriedade, a detenção física do imóvel poderá ser considerada como posse, de modo a ensejar proteção jurídica;
2. Além disso, há hipóteses em que o imóvel tem registro de propriedade, mas o direito mais relevante é o do possuidor, como reconheceu recentemente o STJ - REsp 1.636.689. É o caso, por exemplo, dos chamados “contratos de gaveta” (muitas vezes parte de uma “cadeia” de cessões de um compromisso de compra e venda).
3. Os direitos do compromissário comprador (e dos cessionários), mesmo os não registrados e, muitas vezes, sem possibilidade jurídica de registro no cartório imobiliário, constituem bens imóveis, de acordo com o art. 80, I, do Código Civil e a jurisprudência do STJ que estabeleceu o direito à adjudicação compulsória do compromisso de compra e venda não registrado.
Embora, em tese, todo bem imóvel deva ter registro de propriedade em cartório imobiliário, uma parte significativa dos imóveis no País – mais de cem milhões - não tem acesso ao registro de imóveis.
No meu entender, o termo deve ser interpretado sob a ótica concreta, pois, diante das hipóteses descritas acima, fica claro que o alcance do § 2º do art. 792 do novo CPC são os bens imóveis que não podem ser registrados. Daí, a conjugação das expressões “bem não sujeito a registro” com “local onde se encontra o bem”.
Em outras palavras, “não havendo registro do bem imóvel”, é ônus do adquirente (terceiro em relação ao processo) demonstrar que agiu com a cautela devida na aquisição do bem, mediante a exibição das certidões pertinentes. Trata-se, assim, de dispositivo que acaba por desenvolver a segunda parte do enunciado da Súmula 375 do STJ. Nesse sentido, afirma Flávio Tartuce que “(...) sem dúvidas que a nova previsão acaba por mitigar o teor sumular, invertendo o ônus da prova, pois antes cabia ao prejudicado a prova da má-fé (...)”- Impactos do novo CPC no Direito Civil, São Paulo: MÉTODO, 2015, cap. 7.
Também no mesmo sentido, o posicionamento de Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello: “Como se vê, diante do NCPC o entendimento jurisprudencial que impõe ao exequente provar a má-fé do adquirente deve necessariamente ser alterado. Há, por força de lei, inversão no ônus desta prova, cabendo ao terceiro adquirente fazer prova de sua boa-fé e não o contrário. A Súmula 375 do STJ deve ser, na sua segunda parte, revogada, só se justificando sua manutenção quanto à exigência da citação.” (Primeiros comentários ao novo código de processo civil, São Paulo: RT, p. 1146-1147).
A fraude à execução, além de prejudicar o credor, atenta contra o próprio Poder Judiciário, pois consiste em uma tentativa de levar um processo já instaurado à inutilidade.
Dessa forma, o objetivo do legislador não foi burocratizar o mercado de bens móveis, mas dar segurança ao mercado imobiliário, garantindo a boa-fé do comprador, o direito do credor e a eficácia das decisões judiciais.

Publicado em https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/450066482/breve-analise-do-2-do-art-792-do-novo-cpc?utm_campaign=newsletter-daily_20170420_5165&utm_medium=email&utm_source=newsletter
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